Nito Alves, Antigo Ministro da Administração Interna
Luanda - Com base na obra de
Nito Alves, ”Memória da Longa Resistência Popular”, editada pela África Editora
em 1976, procura-se traçar aqui o perfil do Guerrilheiro, do Poeta e sobretudo
do Revolucionário.
Fonte: 27maio.org
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Acreditando que a Revolução podia ser comparada a uma monstruosa elevação feita
de vertentes escarpadas e difíceis de transpor e que só os fortes e persistentes
a poderiam escalar, Nito Alves, fiel ao heróico Povo Angolano, aos guerrilheiros
e a todos os colegas de armas e sofrimento, abatidos durante a guerra, seguiu o
seu exemplo até às últimas consequências possíveis da sua opção política.
A 23 de Julho de 1945, na aldeia do Piri,
concelho dos Dembos (actual província do Kuanza Norte ) nasceu em Angola, Alves
Bernardo Baptista, filho de Bernardo Baptista Panzo e de Maria João Paulo.
Teve uma infância e adolescência,
profundamente marcadas pela agressão e hostilidades permanentes de
condicionalismos sociais e políticos que o rodeavam e comprimiam, frutos
malditos do colonialismo opressor que mantinha ferozmente dominada a sua pátria
e o seu povo.
Falando um dia de si afirmou:«A minha
infância é comum à de todas as crianças na minha dura condição de jovem, numa
aldeia sem luz eléctrica, nem água canalizada, nem um mínimo de requisitos».
«A minha instrução primária foi toda ela
feita na Escola Rural da Missão Evangélica do piri.»
«Tinha eu treze anos de idade, quando comecei
a sentir em mim um sentimento de revolta consciente contra o colono e que hoje
explico fundamentalmente por quatro fenómenos que recordo com nitidez, pois
marcaram-me profundamente:»
E que acontecimentos influenciaram então
decisivamente este jovem de 13 anos.
O facto de um Missionário protestante,
obrigar os alunos a ir nas férias para a roça dos colonos colher café.
O cenário de sangue que frequentemente se
desenrolava ante os seus olhos em que mulheres e
homens-contratados eram forçados a colher café
nas plantações cafeícolas da então Sousa Leal, do alemão Kay.
O da visão que este jovem tinha do drama do
ajudante negro que passava em cima da camioneta do colono, sempre de cabelo
enevoado de poeira.
O facto de ter sido reprovado no exame da
terceira classe e de ouvir a justificação do padre católico que presidia ao
júri: «ele sabe aritmética, fez bom ditado, boa cópia, um desenho regular, mas
tem de reprovar porque é protestante e não sabe a Ave-Maria!»
«Concluída a instrução primária em 1960,
parte para Luanda onde seu pai conseguiu matriculá-lo…Ganha uma bolsa de estudo
e parte para o Quéssua, Malange, onde faz o segundo ano liceal. Regressado a
Luanda, frequenta o Colégio da Casa das Beiras…»
Nito Alves nunca esqueceu a Directora daquele
Colégio, Olívia de Oliveira Martins Conde, que terá contribuído decisivamente
para que ele terminasse o 2º ano do ensino liceal.
«Em 1966 começa a trabalhar na Direcção Geral
da Fazenda e Contabilidade, em Luanda, tentando simultaneamente prosseguir os
estudos, no curso nocturno do 6º ano do então chamado Liceu salvador Correia.
Entretanto, vinha desenvolvendo desde 1965 intensas actividades políticas
clandestinas que acabaram por o tornar alvo das atenções da PIDE.
Muitos dos seus camaradas são presos e
enviados para o terrível campo de S. Nicolau. Nito Alves, porém, no próprio dia
em que iria ser preso (6 de Outubro de 1966), consegue escapar-se às garras
daquela sinistra polícia.»
«Alves Bernardo Baptista e Lima Pombalino
Martins (Tadeu )…,chegam à Primeira Região Político Militar do MPLA no dia 9 de
Outubro de 1966»
«Sob o comando de um então já bem conhecido
comandante militar, Jacob Alves Caetano, cuja lenda corre todo o norte de Angola
como o grande Comandante Monstro Imortal…, instala-se na área do esquadrão
Cienfuegos e anima-se toda a região.»
«Intenso e duro treino de guerrilhas aguarda
o jovem Alves Bernardo Baptista: todo o ano de 1967 é o teste de sangue e fogo
em que presta brilhantes provas. Em 1968 com a chegada de parte dos
sobreviventes do Esquadrão Kamy, Nito Alves é chamado para a direcção do CIR.
Até 1971 mergulha a fundo no estudo do Marxismo-Leninismo, como autodidacta que
a própria luta quotidiana vai caldeando em permanente apuramento.»
«O ano de 1973 findava carregado e negro de
perspectivas para os homens da Primeira Região. O cerco de ferro e de fogo do
colonialismo agónico, apertava-se sobre a Primeira Região Militar», e foi
contado assim:
«Guerra sem frente, nem retaguarda /
«faltaram as munições» / «Vieram os “Flechas”», os “G.es” e “T.es” / «fizeram
tiros na noite e na madrugada/ e mataram, mataram, assassinaram, assassinaram».
E «vieram as doenças inimagináveis» e o monstro da fome com o seu cortejo de
mortes». Porém, «O Povo não se rendeu». Na Primeira Região Militar de Angola, no
mais aceso e desesperado cerco de ferro e fogo que o colonialismo cada vez mais
ia apertando, «esgotaram-se todas as leis da guerrilha e toda a inteligência
militar», reúnem-se os responsáveis político militares …
Nestes excertos do seu livro, faz-se referência a
um dos momentos mais decisivos da luta da 1ª Região Político Militar. Esse
momento em, que reunidos os mais velhos, se encarou a hipótese de parar a luta
pelas dificuldades inultrapassáveis face à pressão do exército colonial, da FNLA
e ao isolamento a que esta região militar estava votada pela impossibilidade de
receber apoios da Direcção do MPLA no exterior. No entanto, esse isolamento era
também na altura a realidade de todo o MPLA, que esteve mesmo em vias de ser
esmagado no exterior de Angola, pela pressão de muitos estados Africanos contra
a direcção de Agostinho Neto.
Nito Alves teve neste contexto, em meados de
Janeiro de 1974, um papel decisivo quando foi designado pelos mais velhos para
ir a Luanda clandestinamente em busca de apoios e para estudar hipóteses de
lançar a guerrilha urbana. Fê-lo juntamente com o seu velho companheiro de
aventura e guerrilha o camarada Adão. Sabe-se que muitas portas se lhes fecharam
quando se anunciaram aos contactos de ligação que existiam. Ficaram por se saber
alguns desses nomes que bateram as portas, no entanto dois nomes ficaram na
história de um encontro, o de Albertino Almeida e do Dr. Macmahon Vitória
Pereira. Estes receberam e apoiaram Nito Alves que no seu regresso levou à 1ª
Região as boas novas que por lá soaram como um sopro de esperança de uma
reviravolta eminente em Portugal. Cerrou-se então fileiras entre os combatentes
para resistir por todos os meios ao desânimo que se apoderava de todos.
Nito Alves regressa a Luanda em Maio de 1974,
depois do 25 de Abril em Portugal. Os contactos com Zé Van-Dunem,Valentin,
Betinho e outros nessa ocasião, preparam as condições para se deslocar a
Brazzavile a um encontro em Agosto com o Presidente Dr. Agostinho Neto.
Participa depois em representação da 1ª Região Político Militar no Congresso de
Lusaka na Zâmbia aonde apoia Agostinho Neto contra as oposições internas da
Revolta Activa e da revolta de Chipenda. Participa na Conferência Inter-Regional
de Militantes nas chanas do Leste de Angola, logo depois do Congresso e da
assinatura dos acordos de paz com o Exército Português.
Na CIRM de 1974, o também chamado congresso dos
partidários de agostinho Neto, dá-se o encontro dos combatentes das matas vindos
das várias regiões político militares com os do exílio e com os activistas das
células clandestinas de Luanda. Nito Alves como representante da I Região
Político Militar em estreita ligação com José Van Dunem dos comités
clandestinos, tem ali um papel determinante na adesão da maioria dos dirigentes
e chefes militares à liderança política de Agostinho Neto bem como da caução
política que este recebe dos sectores simpatizantes dos centros urbanos . É
eleito para membro do Comité Central entre os 34 militantes que sai da CIRM.
Nito Alves tem um papel importante no afluxo
em massa de centenas de jovens citadinos aos CIR- Centros de Instrução
Revolucionária a partir do mês de Setembro, destacando-se durante toda a segunda
guerra de libertação nacional , contra as forças concertadas da África do Sul e
do Zaire, que tentaram impedir a Independência de Angola a 11 de Novembro de
1975.
Grande mobilizador da massa militante do MPLA
nas cidades, à frente do DOM Nacional (Departamento de Organização de Massas),
homem com grande capacidade organizativa, dedicado às tarefas da revolução a
cada momento, Nito Alves foi nomeado a 15 de Novembro de 1975 Ministro da
Administração Interna da jovem República Popular de Angola. Nessas funções,
dirigiu a organização Administrativa do país até à III reunião Plenária do
Comité Central do MPLA em Outubro de 1976, implementando a Administração do
território através da figura dos comissários provinciais. Foi ainda o obreiro da
lei do poder popular, que criou ao nível local organismos de gestão dos
problemas das populações.
Na III reunião plenária, em Outubro de 1976,
Nito Alves é suspenso das funções que desempenhava no governo e no Movimento,
juntamente com José Van Dunem a pretexto da acusação de terem sido protagonistas
de um 2º MPLA. Estes dirigentes teriam segundo a versão oficial, de uma forma
Fraccionista, reunido numa estrutura paralela grande parte da massa militante do
MPLA. Estes dois dirigentes ficaram suspensos das suas funções durante um
período de mais de 6 meses, aguardando as conclusões de uma suposta comissão de
inquérito que apenas os ouviu em Fevereiro de 1977. Acabaram por ser expulsos do
MPLA a 21 de Maio de 1977, numa reunião magna de militantes, convocada pela
direcção, presidida por Agostinho Neto e realizada na cidadela em Luanda.
Vendo-lhe negado o direito à defesa e sujeito
a toda uma campanha de calúnias e ataques pessoais públicos, conduzidos pelo
único órgão de imprensa existente, o Jornal de Angola, dirigido por Costa
Andrade, N`Dunduma, Nito Alves acabou por ser condenado antes mesmo de ser
ouvido. Em legítima defesa, escreveu então as famosas “13 Teses da minha defesa
“, com o intuito de dar a conhecer aos restantes membros do MPLA, bem como às
organizações de massas e regionais as razões do seu afastamento.
Tal documento, ao ser divulgado indiscriminadamente, deu origem ao aumento da
repressão sobre a massa militante , tendo na altura muitos deles sido conduzidos
às cadeias, apenas pelo simples facto de as terem lido ou de a elas se
referirem.
Nos seis dias posteriores a 21 de Maio, Nito
Alves terá então encabeçado um movimento de contestação aberto às medidas
repressivas da direcção do MPLA, em particular em Luanda, que não tendo as
características de um golpe de estado , que lhe atribuíram, teve contudo o apoio
dos sectores militares determinantes.
Estes acontecimentos terminaram a 27 de Maio
de 1977, com a intervenção do exército cubano, em defesa da ala de Agostinho
Neto. Não se sabe até hoje se Neto terá sido o principal mentor da acção
repressiva que se seguiu ao dia 27 de Maio, ou se manietado por uma outra força
mais poderosa e sombria, ficou prisioneiro das sua opções de momento ao apoiar a
minoria contra a massa de militantes contestatários.
No rescaldo dos dias posteriores ao chamado “
Golpe de Estado “, Nito Alves terá fugido para a sua região de origem, a célebre
I Região Político Militar do MPLA, aonde acabou por ser apresentado à televisão
como supostamente capturado pelas populações locais.
A confirmar-se a hipótese de ter sido feita
uma montagem da sua captura, tal confirmaria a hipótese apontada por muitos de
se ter ele próprio vindo entregar a Luanda a fim de evitar mais mortes. Sabe-se
também que depois de preso, foi selvaticamente torturado e humilhado.
Recentemente, houve o testemunho de um militar de nome João Kandada, a residir
em Espanha, que assumiu o ónus de o ter fuzilado sob ordens de Iko, Onambwe e
Carlos Jorge, estando ainda a assistir Ludy Kissassunda Veloso e outros. Este
confesso assassino diz ter cometido tal crime a mando da chefia da DISA,
reconhecendo ainda que corpo do lendário comandante da I Região Político
Militar, foi posteriormente atirado ao mar com pesos para se afundar.
Confessou também na mesma entrevista,
publicada no jornal “folha 8” de 26 de Maio de 2001, que a célebre ambulância
com os heróis carbonizados, teria feito parte do plano para diabolizar os
apoiantes de Nito Alves tendo sido o mesmo concebido e executado por pessoas da
DISA.
O mistério da sua morte, obscurece-se com o
passar dos anos, em que os dirigentes ainda vivos, silenciando as suas vozes se
mostraram até agora incapazes de confessar os hediondos crimes, pretendendo
ocultar às gerações futuras factos históricos relevantes da Nação Angolana.
Sabe-se também, que a título póstumo, Nito Alves terá recentemente sido
promovido de Major a Brigadeiro.
Nito Alves disse um dia: « Os que fazem a
História nem sempre podem escrevê-la»